Operação Resgate II – Duas mulheres são resgatadas na Paraíba de condições análogas à escravidão
29/07/2022 - João Pessoa - Duas mulheres, de 38 e 57 anos, foram resgatadas na Paraíba de condições análogas à escravidão durante a Operação Resgate II, que já retirou do trabalho análogo ao de escravo no Brasil 340 trabalhadores. As duas paraibanas foram resgatadas do trabalho doméstico, atividade que já era realidade na vida delas desde quando eram crianças, aos 9 anos de idade. Resultado do esforço de seis órgãos públicos, é a maior ação conjunta com foco no combate ao trabalho análogo ao escravo e tráfico de pessoas no país. Começou no dia 4 de julho e segue em andamento. Este sábado (30), é o Dia Mundial do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Com estes números de julho, o total de resgatados no País em 2022 já é de 1.127 trabalhadores e trabalhadoras. Pelo menos 13 paraibanos já foram resgatados do trabalho escravo somente este ano em vários Estados do País. Quase 50 equipes de fiscalização estiveram diretamente envolvidas nas inspeções ocorridas em 22 estados e no Distrito Federal durante este mês. Para apresentar dados da Paraíba, uma coletiva de imprensa foi realizada na manhã desta sexta-feira (29), no auditório da Sede do Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB), em João Pessoa, com a participação de todos os órgãos envolvidos.
“Dos 340 trabalhadores resgatados na Operação Resgate II até hoje, pelo menos 149 também foram vítimas de tráfico de pessoas. A Paraíba é um Estado onde trabalhadores são recrutados para a mão-de-obra escrava em outras regiões do País”, afirmou a vice-procuradora-chefe do MPT na Paraíba, Marcela de Almeida Maia Asfóra, que coordenou a ação no Estado, ao lado de representantes da Polícia Federal (PF), Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Previdência, Ministério Público Federal (MPF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Defensoria Pública da União (DPU).
Foram resgatadas, ainda, de condições análogas à escravidão no País, cinco crianças e adolescentes e quatro migrantes de nacionalidade paraguaia e venezuelana. Além da Paraíba, as fiscalizações ocorreram nas seguintes unidades da federação: AC, AL, AM, BA, CE, DF, ES, GO, MA, MS, MG, MT, PE, PA, PI, PR, RJ, RO, RS, SC, TO, SP.
Coletiva na Paraíba
Participaram da coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira (29), na Sede do MPT-PB, em João Pessoa, a vice-procuradora-chefe do MPT-PB, Marcela de Almeida Maia Asfóra; o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza (MPF); a auditora fiscal do Trabalho Marina Cunha Sampaio (SIT); a delegada da Polícia Federal, Cynthia Silveira; o chefe da Seção de Operações da PRF, Eduardo Guimarães e o Defensor Público da União William Charley Costa de Oliveira (DPU).
Além do resgate de trabalhadores, a operação tem o objetivo de verificar o cumprimento das regras de proteção ao trabalho; permitir a coleta de provas para responsabilizar – nas esferas administrativa, cível e criminal – os responsáveis pela exploração dos trabalhadores; e assegurar a reparação dos danos individuais e coletivos causados aos resgatados.
Acompanhamento Pós-resgate
A procuradora do Trabalho Marcela Asfóra explicou que os órgãos também estão preocupados com o acompanhamento das trabalhadoras após o resgate. “Inicialmente, será verificada a inclusão delas em benefícios sociais. Uma delas já recebe o Auxílio Brasil, a outra não. Isso também está sendo verificado. Ao longo do tempo, será dado todo esse apoio e haverá também o pagamento das verbas trabalhistas que são devidas”, informou.
Denúncias recentes
“As denúncias que foram fiscalizadas na operação são bem recentes. Chegaram entre junho e julho deste ano. Elas foram analisadas. Durante o planejamento, houve atuação da inteligência da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Durante essa semana, aconteceram as fiscalizações. Dos três locais que foram visitados, em dois deles foram encontradas situações de trabalho escravo”, explicou Marcela Asfóra.
Desdobramentos e investigação
De acordo com a procuradora Marcela Asfóra, após o recebimento das denúncias, foi realizado um planejamento da Operação Resgate II na Paraíba. “A execução foi feita a partir do dia 25 de julho. A colheita dos depoimentos continua, a coleta de mais informações. Dentro do Ministério Público do Trabalho existe um procedimento, um inquérito civil já instaurado e, a partir daí, haverá os desdobramentos. Houve depoimento desses empregadores e haverá o desdobramento no âmbito do Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Previdência”, informou.
Marcela Asfóra explicou, ainda, que o Ministério Público do Trabalho tem a possibilidade de propor um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) ou Ação Civil Pública, com indenização por dano moral coletivo. “A Defensoria Pública da União (DPU) verificará as verbas trabalhistas que são devidas a estas trabalhadoras. Outros trabalhadores quando são resgatados de condições análogas à escravidão têm direito a três meses de seguro-desemprego”, acrescentou.
“A Paraíba é um Estado de recrutamento"
A procuradora do Trabalho Marcela Asfóra destacou que a maior parte dos trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão ainda é no meio rural, mas “o número de trabalhadoras domésticas em situação de trabalho escravo também tem aumentado ao longo dos anos, em especial depois de 2019, quando a sociedade passou a conhecer o que é trabalho escravo doméstico por meio da imprensa, na divulgação de operações como esta”.
“A Paraíba é um Estado de recrutamento. Então, as pessoas aliciadoras chegam, fazem propostas muito vantajosas para os trabalhadores. Geralmente as vítimas são homens, entre 18 e 29 anos, que querem mudar de vida. Aquelas propostas se apresentam muito atrativas. Então, eles saem e, quando chegam lá, têm que pagar o transporte, alimentação, alojamento, produtos de higiene, equipamentos pra trabalhar e equipamentos de proteção individual (EPIs). Então eles acabam, muitas vezes, entrando num ciclo de endividamento e que não permite que eles saiam”, explicou a procuradora do Trabalho Marcela Asfóra.
Trabalho Escravo Contemporâneo
Segundo a auditora fiscal do Trabalho, Marina Cunha Sampaio“o que caracteriza o trabalho escravo contemporâneo são as jornadas de trabalho exaustivas , é a condição de trabalho degradante, é a restrição de liberdade, é a servidão por dívida. E no trabalho doméstico esses configuradores do crime, previsto no Artigo 149 do Código Penal, ganha algumas características peculiares”.
“O que a gente verifica, muitas vezes, é aquela jornada exaustiva no sentido de ausência de descanso aos fins de semana, jornadas além das oito horas diárias, ausência de férias, muitas vezes por 10, 15, 20 , 30 anos. A gente verifica também ausência de descanso interjornada, que é aquele descanso noturno , quando a pessoa além do trabalho doméstico exerce a função de cuidadora de idoso, de pessoa com deficiência ou de babá”, explicou a auditora fiscal.
“Nós verificamos, muitas vezes, no trabalho doméstico a questão do isolamento social. São trabalhadoras privadas da educação fundamental e básica, que não conseguem desenvolver um nível mínimo de sociabilidade”, acrescentou Marina Sampaio.
“Nunca teve contato com dinheiro”, diz delegada da PF
“Elas foram privadas de estudo. Elas não foram alfabetizadas. Uma delas nunca teve contato com dinheiro, não sabe distinguir notas. Elas nunca tiveram acesso a lazer, nunca foram ao cinema, nunca foram a uma praia. Não frequentaram escola, jardim de infância, nunca brincaram”, comentou a delegada da Polícia Federal, Cynthia Silveira, durante a coletiva de imprensa.
MPF: “O trabalho escravo degrada o ser humano”
O procurador da República José Godoy destacou que as questões que envolvem direitos humanos não são privativas de um órgão, mas de toda a sociedade e de todos os órgãos de governo. “Nós temos que compreender que trabalho escravo é uma questão direta que envolve direitos humanos e que é dever de toda a sociedade atuar para combater uma prática tão nefasta, que degrada tanto o ser humano, como subjugar alguém à condição de mero objeto que lhe serve”, afirmou o membro do Ministério Público Federal.
Goiás e Minas Gerais: Estados com mais resgates
Goiás e Minas Gerais foram os estados com mais pessoas resgatadas na operação conjunta deste mês. As atividades econômicas com maior quantidade de resgate no meio rural foram serviços de colheita em geral, cultivo de café e criação de bovinos para corte. No meio urbano, chamaram a atenção os resgates ocorridos em uma clínica de reabilitação de dependentes químicos e os casos de trabalho doméstico. Seis trabalhadoras domésticas foram resgatadas em cinco estados, entre elas, duas na Paraíba.
Responsabilização dos empregadores
Os empregadores flagrados submetendo trabalhadores a essas condições foram notificados a interromper as atividades e formalizar o vínculo empregatício dessas pessoas, bem como a pagar as verbas salariais e rescisórias devidas aos trabalhadores - que somaram mais de R$ 3,8 milhões. Além disso, podem ser responsabilizados por danos morais individuais e coletivos, multas administrativas e ações criminais.
Cada um dos resgatados também recebeu três parcelas do seguro-desemprego especial para trabalhador resgatado, no valor de um salário-mínimo cada. Em relação a outras irregularidades trabalhistas, serão lavrados pelos auditores-fiscais do Trabalho aproximadamente 669 autos de infração, entre eles de trabalho análogo ao escravo, de trabalho infantil, falta de registro na carteira de trabalho e descumprimento de normas de saúde e segurança no trabalho. Também serão apuradas as infrações penais cometidas, bem como a autoria delitiva, para garantir a responsabilização criminal daqueles que lucraram com a exploração dos resgatados.
Operação Resgate II
É a maior ação conjunta no país com a finalidade de combater o trabalho análogo ao de escravo e o tráfico de pessoas, integrada pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Previdência, Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Participaram ativamente do resgate das vítimas mais de 100 auditoras e auditores fiscais do Trabalho, 150 policiais federais, 80 policiais rodoviários federais, 44 procuradoras e procuradores do Trabalho, 12 defensoras e defensores públicos federais e 10 procuradoras e procuradores da República.
Dia Mundial do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
A data (30 de julho) foi instituída em 2013 pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) a fim de “criar maior consciência da situação das vítimas do tráfico de seres humanos e promover e proteger seus direitos". No Brasil, o art. 149-A do Código Penal, inspirado no Protocolo de Palermo, define o crime de tráfico de pessoas, como o ato de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; submetê-la a qualquer tipo de servidão; adoção ilegal ou exploração
sexual.
Números gerais
Os dados das ações de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil estão disponíveis no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, no seguinte endereço: https://sit.trabalho.gov.br/radar/. Há também informações no Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas (smartlabbr.org/trabalhoescravo).
Operação Resgate I
Em 2021, a Operação Resgate efetuou 128 fiscalizações distribuídas em 22 estados brasileiros e no DF. Na ocasião, foram resgatados de condições análogas às de escravo 136 trabalhadores, sendo cinco imigrantes e oito crianças e adolescentes.
Denúncias
As Denúncias de trabalho análogo ao escravo podem ser feitas de forma remota e sigilosa no Sistema Ipê (ipe.sit.trabalho.gov.br), criado pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo Disque 100 (nacional), pelo Disque 123 (canal da Paraíba), pelo site nacional do MPT (www.mpt.mp.br), pelo site do MPT-PB (link www.prt13.mpt.mp.br/servicos/denuncias ) ou pelo aplicativo MPT Pardal.
340 resgatados no País
1) MG (Nova Era) - 1 (trabalhadora doméstica)
2) MG (Manhuaçu) - 7 (cultura do café)
3) SP (Guariba) - 18 (cana-de-açúcar)
4) MG (Boa Esperança): 6 (café), 11 (Ilicinea - café).
5) MG (equipe Araxá): 29 (café), 14 (clínica de reabilitação)
6) MS: 8 (construção de cercas), 1 (criação de bovinos)
7) MG (Pouso Alegre): 5 (café)
8) BA (Barra do Choça): 24 (café)
9) PA (Belém): 1 (trabalhadora doméstica)
10) RS: 26 (apanhe de frangos)
11) ES: 2 (café).
12) AC: 37 (desmatamento para abertura de pasto para gado bovino)
13) PE: 1 (trabalhadora doméstica)
14) CE:1 (criação de camarão)
15) MT: 7 (catação de raízes)
16) GO: 6 (Rio Verde - eucalipto, dos quais 1 venezuelano), 40 (Nazário - palha para cigarros), 38 (Sta Bárbara de Goiás - palha para cigarros), 8 (Montes Claros de Goiás)
17) PI: 3 (roçagem e plantio de pasto de fazenda de gado bovino).
18) ES: 7 (cacau e seringal)
19) BA: 1 (construção civil)
20) MG (Uberlândia): 5 (construção civil)
*21) PB: 2 (trabalhadoras domésticas)*
22) RO: 29 (catação de raiz - soja; dois adolescentes)
23) SP: 1 (trabalhadora doméstica)
24) PA (Ourilândia do Norte): 2 (colheita de milho)
Ascom MPT-PB com Ascom PGT.